João Carlos Bross conversa sobre o futuro e a ideia de fricção que fez nascer o projeto urbanístico da Unicamp

“Zeferino Vaz dizia que um novo conhecimento só se asperge por fricção social. Ele entendia que o universitário tinha que friccionar e não ficar só na sua área”, lembra o arquiteto João Carlos Bross. A partir desta ideia, ele projetou a praça central da Unicamp, “feita para ser usada por salas multidisciplinares e de multiuso”. Os pontos de fricção seriam os pontos de encontro. “O conhecimento precisa ser discutido, trazido à tona. Todos precisamos nos encontrar, conhecer o que o outro faz”, disse Bross. “Já tínhamos claro na época que num futuro próximo não teríamos condições de atuar isoladamente, só coletivamente.”

No final da tarde desta segunda-feira (11/01), tivemos um encontro virtual com o arquiteto João Carlos Bross, responsável pelo projeto urbanístico original do campus da Unicamp. O professor Bross se dispôs a falar conosco sobre o “Projeto Unicamp: do início ao futuro” a convite de Talita Mendes, assessora da Diretoria Executiva de Planejamento Integrado (DEPI) da Unicamp. A visão de futuro do arquiteto e suas experiências trouxeram importantes contribuições para a campanha de Sergio Salles e Eliana Amaral, consolidando ideias e apontando para novas perspectivas.

Aos 86 anos, o arquiteto formado há 65 anos ainda presta consultorias e compartilha seu conhecimento e suas lembranças. “Penso que com a volatilidade do conhecimento nós seremos especialistas de coisa nenhuma. Precisamos ser experientes, ir a campo e saber a demanda da sociedade”, disse ele em nosso encontro.

Memória

Bross trabalhou 12 anos consecutivos com Zeferino Vaz, idealizador e fundador da Unicamp, que no dia 5 de outubro de 2021 vai completar 55 anos. Na primeira longa conversa que teve com o professor Zeferino, Bross já falou qual era sua ideia sobre modelos ágeis de universidade e o que pensava sobre o futuro de uma instituição de ensino. Naquele período, o Brasil vivia sob o regime militar. O governador de São Paulo Laudo Natel nomeou Zeferino Vaz como reitor e determinou que ele seria o responsável pela criação da Unicamp. Quando soube, Bross procurou Zeferino e se ofereceu para fazer o projeto.

Junto com Zeferino, Bross escolheu o terreno para a construção da Unicamp em área que pertencia à Fazenda Rio das Pedras, do proprietário João Batista de Almeida Prado. Ele perguntou ao reitor qual seria o perfil da universidade. Zeferino respondeu que idealizava uma universidade que fosse matriz de professores e pesquisadores para outras universidades.

O arquiteto planejou três territórios: humanidades, ciências exatas e ciências biológicas. A ideia inicial era não ter estacionamento, privilegiando a circulação de ônibus gratuitos que circulassem internamente. Este plano não foi implantado. Sob o ponto de vista da arquitetura, ele pensava em módulos espaciais que se conectassem. Isso também não foi possível.

A previsão inicial era de uma universidade para 10 mil alunos, 200 professores e 300 alunos de pós. Hoje a Unicamp tem mais de 34 mil estudantes, 153 programas de pós-graduação e 66 cursos de graduação, além de três campi (Campinas, Piracicaba e Limeira). A Universidade tem cerca de 1,8 mil docentes e mais de 10 mil funcionários.

Hoje, temos de pensar em novas formas de prover conhecimento, acredita o arquiteto, que foi também professor durante 23 anos na Fundação Getúlio Vargas. “A pandemia está mudando o traçado das cidades, inclusive no atendimento à saúde. Há novas formas de engajar pessoas. Ainda estamos com uma configuração extremamente vertical. Não podemos mais.”

Futuro

Bross também falou sobre o futuro. “Deveria haver mais discussões sobre o futuro e as tendências. Precisamos pensar no futuro, entender quais são os cenários possíveis. As profissões estão mudando com uma velocidade muito grande. É importante fazer projeções sobre as mudanças. E as mudanças mais significativas serão feitas na área de arquitetura e urbanística. Este é um momento importante para mudar os paradigmas dentro da universidade”, defendeu. “Precisamos ter comitês que estudem o comportamento humano e os novos cenários.”

Nesse sentido, ele acredita que os ex-alunos da Universidade podem contribuir. “Eles têm o conhecimento da vida, da praxis. Precisam ser trazidos.” Para Bross, devemos pensar em como vamos compartilhar o conhecimento. “Não podemos vender ideias como se fossem produtos de prateleira.” O recém-formado, portanto, não pode sair para o mercado como franco-atirador, defende o arquiteto.

No encontro, Bross também falou a respeito de projetos de expansão para a Unicamp. Ele imagina a criação do que ele chamou de laboratórios vivos, “progressivamente utilizados segundo projetos de pesquisa; não haveria mais prédios isolados para esta ou aquela área”.

O arquiteto diz ser partidário da criação de pilotos. “Zeferino dizia que a universidade tem de tentar e, se errar, reconhecer o erro”, lemra Bross. “Fazer pilotos me parece mudar comportamentos.”

João Carlos Bross disse que tem orgulho de fazer parte da história da Unicamp e falou também com orgulho que já é bisavô.

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